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O que saber na hora de viajar de trem na Alemanha
- Créditos/Foto:Divulgação
- 04/Dezembro/2017
- Paulo Basso Jr.
Minha missão era extremamente agradável, mas nem um pouco simples: circular de trem na Alemanha por sete cidades em apenas 12 dias. O objetivo era analisar a malha ferroviária do país, tida como uma das mais eficientes da Europa.
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Após desembarcar em Frankfurt, maior aeroporto internacional da Alemanha e um dos mais movimentados do Velho Continente, a primeira jornada a ser cumprida era longa e tinha como destino Berchtesgaden, cidade alpina na fronteira com a Áustria, a apenas 20 km de Salzburgo. Logo de cara, uma boa surpresa: a estação ferroviária, localizada no próprio aeroporto de Frankfurt, é enorme, bem sinalizada e oferece saídas não só para as mais distintas regiões alemãs, como também para as principais cidades dos países vizinhos.
Com a passagem reservada no site da Deutsche Bahn (DB), empresa responsável pelo transporte de trem na Alemanha, dirigi-me a uma das dezenas de máquinas de emissão de bilhetes (fahrkarten) espalhadas pelo corredor que liga o aeroporto à estação. Na tela touch screen, escolhi um dos idiomas disponíveis (entre eles inglês e espanhol), digitei o código de reserva e, em questão de segundos, imprimi o tíquete, que também pode ser comprado com cartão de crédito internacional nessa mesma máquina, independentemente de reserva.
Nesse momento, cometi um erro, cujas consequências viria a sofrer horas mais tarde com outro trem na Alemanha. Na máquina (assim como na internet), é possível ver todos os detalhes do trajeto, com indicações de troca de trens, plataformas e horários das baldeações. Com pressa, porém, limitei-me apenas a observar que tinha de mudar de trem em Munique.
Tíquete em mãos, segui em direção à plataforma. Como tinha reserva de assento, conferi em um painel o lugar em que meu vagão de segunda classe pararia. Na hora marcada, 16h54, já estava dentro do ICE – pronuncia-se letra por letra, I-C-E, como se fala em português, e não “aice”, como gelo em inglês. Trata-se do famoso trem-bala alemão, marcado pelo design arrojado e pela pintura branca com uma faixa lateral vermelha. O destino final, Berchtesgaden, estava a sete horas dali.
A primeira parte do trajeto de trem na Alemanha, rumo a Munique, acabou revelando-se revigorante. Depois de mais de 12 horas de voo entre São Paulo e Frankfurt, acreditava que o longo período circulando de trem seria cansativo e enfadonho. Que nada. Como estava com um mochilão, consegui acomodá-lo com tranquilidade na prateleira acima do assento, que no ICE reclina e tem encosto almofadado até na segunda classe. Depois, passei o tempo admirando a paisagem alemã, pontuada por vales verdes e pequeninas cidades que cresceram em torno de igrejinhas com torres góticas.
Trem na Alemanha: alta velocidade
É incrível como quatro, cinco e até seis horas a bordo de um trem na Alemanha são mais confortáveis do que apenas uma hora de avião. Quase não há trepidações, o clima é de tranquilidade total e há espaço e conforto mesmo para quem viaja na segunda classe. Do lado de fora, o cenário parece mover-se devagar, embora um painel digital acima da porta de acesso à cabine indique a velocidade do trem-bala que, naquele dia, variava entre incríveis 170 km/h e 253 km/h. Mesmo quando o condutor “pisava fundo”, não havia sensação de frio na barriga, mas sim de puro relaxamento.
Trem na Alemanha: cabine de 2ª classe do ICE | Divulgação
Findada a viagem, desci em Munique com calma e rumei em direção a um dos painéis expostos em todas as plataformas, que mostram as partidas e chegadas, organizadas por horário, daquela estação. Para minha surpresa, não encontrei nenhuma saída para Berchtesgaden. Perdi uns cinco minutos procurando em vão.
Já suspeitando da tal eficiência impecável da rede ferroviária da Alemanha, fui ao centro de informações, onde me disseram que não havia trens diretos entre Munique e Berchtesgaden e que eu deveria baldear novamente na pequena cidade de Freilassing – por isso não encontrei meu destino final no tal painel. Pior: eu tinha apenas quatro minutos para embarcar no último trem do dia para a região. Como desgraça pouca é bobagem, a plataforma de partida ficava a quase 500 metros de onde me encontrava naquele momento.
Com o mochilão de 16 kg nas costas, corri desesperadamente, feito um louco, para conseguir entrar no trem segundos antes de ele partir. Mais do que respirar normalmente, passei os minutos seguintes jurando que jamais viajaria de trem novamente sem estudar minuciosamente o roteiro. Porque se eu soubesse dos detalhes do trajeto, não teria perdido tempo diante do painel e nem no centro de informações, e teria caminhado tranquilamente até a plataforma de embarque.
Hitler e a Oktoberfest
Passada a correria, era hora de curtir o novo trem na Alemanha. Como ele era regional, marcado pela cor vermelha, não tinha o mesmo conforto e inovações tecnológicas do ICE, nem tanto espaço para a bagagem, mas nem por isso era desagradável. Viajei no segundo andar, à noite, observando as luzes do lado de fora enquanto me aproximava dos Alpes. Ao longo de duas horas, fui interrompido apenas pelo fiscal de bilhetes que, ao menos nos trens alemães, sempre aborda os passageiros nos diferentes trechos da viagem.
Uma vez ao pé das montanhas, desci em Freilassing e reembarquei – desta vez sem contratempos – num trem ainda menor, parecido com um metrô de superfície. Poucos minutos depois, quando o relógio marcava 23h34, finalmente cheguei a Berchtesgaden e segui para o hotel.
Dois dias são suficientes para conhecer a região, onde há estações de esqui, um belíssimo lago chamado Königssee’s e muita história ligada ao líder nazista Adolf Hitler. Isso porque o ditador tinha uma casa de campo por lá, o famoso Ninho da Águia, que virou um (mórbido) restaurante e pode ser visitado até hoje. Perto dali está o Dokumentation Obersalzberg, memorial da Segunda Guerra erguido sobre um bunker com galerias de 6 km, onde foram tomadas importantes decisões do 3º Reich. Parte dele está aberta à visitação e funciona como uma lembrança viva das atrocidades cometidas contra os judeus.
Depois desse mergulho num período triste e marcante da história, a próxima parada foi Munique, que vivia um clima muito mais alegre por ser época da Oktoberfest. Por conta das festividades, quase todos os municípios no entorno da capital bávara ganharam um trem extra no período, com saída no começo da manhã para a cidade e retorno no final da noite.
Ótimo para os moradores, péssimo para quem estava analisando a eficiência da malha ferroviária, já que o acúmulo de viagens provocou atrasos contínuos nos mais variados trechos. Detalhe: os atrasos eram apenas de dois ou três minutos, mas foi o suficiente para causar alguns transtornos, como redução de tempo para as baldeações e comunicados emitidos em alemão, idioma que a maioria dos turistas não entende. Algumas vezes, porém, os avisos eram feitos em inglês, sempre com um educado pedido de desculpas no final.
Ao observar as lamentações dos alemães com atrasos de módicos dois ou três minutos, não tive como deixar de pensar na reação deles diante dos recorrentes atrasos – que podem chegar a horas – dos aeroportos brasileiros ou em meio ao trânsito caótico de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Ainda mais porque, se os trens não estavam cumprindo rigorosamente o horário por causa da Oktoberfest, ao menos continuavam eficientes, já que, de um jeito ou de outro, ninguém perdia viagem. Nem mesmo quem tinha tomado algumas canecas de cerveja a mais.
Cara de presépio
Depois de dois dias comendo muita salsicha, tomando alguns goles das grandes cervejas alemãs e comodamente conhecendo os principais pontos turísticos de Munique com o também eficiente transporte público local (os trens urbanos e metrôs que cortam a cidade somam mais de 35 linhas), segui para a estação central de trem (Hauptbahnhof), que tem boas lojas, restaurantes fast food e um pequeno mercado.
No enorme e detalhado painel eletrônico, encontrei meu próximo destino, Garmisch-Partenkirche, outra cidade alpina da Baviera, situada a pouco mais de uma hora e meia de trem de Munique. Esse trajeto é particularmente especial, já que não é raro ver vacas com sinos pendurados no pescoço pastando em campos verdes em meio a singelas construções de madeira. Para completar o bucólico cenário, há as montanhas que se projetam umas por trás das outras.
Garmisch-Partenkirche é uma cidade curiosa, já que tem dois centros (não um velho e um novo, mas dois velhos mesmo) e duas estações de trem grudadas. A principal é responsável por receber trens das cidades vizinhas, enquanto a secundária, batizada de Zugspitzebahnhof, serve para a linha que segue morro acima até perto do topo do Zugspitze, o pico mais alto da Alemanha, a 2.962 metros.
O passeio é sensacional. O trem, moderno, com painel eletrônico e informações de áudio em inglês sobre as paradas, sobe devagar e passa por seis estações ao longo do percurso que dura cerca de uma hora. Quando se chega a Grainau, há uma baldeação (a não ser que se embarque na primeira viagem do dia).
No caminho, é possível descer rapidamente na estação de Eibsse para tirar fotos do belíssimo lago homônimo. No restante do tempo, o barato é sentir o corpo inclinando para trás e o pequeno trem fazendo uma força danada para seguir adiante. Lá em cima, ainda é preciso pegar um bondinho para seguir até o topo nevado do Zugspitze. Uma cruz dourada marca o ponto mais alto da Alemanha. A vista do topo é incrível e inclui terras austríacas.
Na volta, embarquei num trem mais antigo, com bancos de madeira e sem os mecanismos tecnológicos do comboio que fez a subida, o que me permitiu reparar ainda mais na paisagem e nas indicações de altitude espalhadas pelo caminho, sobretudo dentro dos túneis escavados em meio aos Alpes. Entre Eibsse e Grainau, o cenário se abre e há um banco de madeira no meio do nada, inclinado na descida, a pelo menos 2 km da vila. Ao fundo, montanhas pontiagudas tingem de branco o cenário que emoldura o dia a dia dos moradores da região. E fazem a alegria, claro, também de quem está dentro do trem Zugspitzebahn.
Rota Romântica
Dediquei o último trecho da viagem de trem na Alemanha à célebre Rota Romântica. Ao ligar Füssen a Würzburg, o caminho passa por uma série de graciosas cidades que parecem saídas dos contos de fadas, já que nelas não faltam castelos, muralhas medievais e construções pitorescas. A maioria das pessoas faz esse roteiro de carro ou ônibus, para decidir onde pernoitar ao longo do caminho, mas por causa da minha “missão”, o objetivo era cruzá-lo de trem.
Tomei a liberdade de seguir de Garmisch-Partenkirchen para Füssen de carro, justamente para ter uma base de comparação entre os meios de transporte locais. Tanto o aluguel por um dia quanto a corrida de táxi tinham o mesmo preço: € 120. De trem, gastaria 10 vezes menos. Mas escolhi o táxi, para conferir a experiência. O trajeto pelas ótimas estradas alemãs foi confortável e bastante agradável, mas nada que justifique a gastança. Devia ter ficado com o bom e velho comboio.
O ponto alto foi seguir direto para Neuschwanstein, o castelo-símbolo da Rota Romântica, que fica no entorno de Füssen. Construída pelo rei Ludwig II na forma de um cisne branco, inspirado nas óperas do compositor Richard Wagner, a edificação é tão bela que, reza a lenda, inspirou Walt Disney a desenhar o Castelo da Cinderela da Disney World de Orlando, nos Estados Unidos.
Não é possível chegar ao castelo de trem, mas há ônibus que partem da estação central de Füssen rumo ao ponto turístico. E foi exatamente nessa estação que peguei um ônibus rumo a Munique, de onde seguiria de trem para Augsburg, outra importante cidade da Rota Romântica. O trajeto de ônibus foi barato – há vários bilhetes em torno de € 25 –, mas a viagem foi longa e desconfortável, sem contar que a maioria dos motoristas alemães, ao contrário do que ocorre em quase todos os outros serviços prestados no país, não são muito simpáticos, além de não falarem inglês.
Sorte que voltei a viajar no trem de alta velocidade ICE a partir de Munique, dentro do qual “voei” para Augsburg em cerca de meia hora, sem qualquer tipo de atraso. Marcada pela riqueza do Sacro Império Românico-Germânico, época em que se tornou um grande centro político e econômico, a cidade tem prédios imponentes com salas decoradas no estilo rococó e motivos folheados a ouro, além de lindos jardins.
Lendas da Idade Média
Novamente a bordo de um trem regional, rumei para o norte em direção à grande joia da Rota Romântica, a cidade de Rothenburg-ob-der-Tauber. Para chegar lá, é preciso passar pela estação de Steinach, de onde partem trens de hora em hora desde uma plataforma que funciona exclusivamente para a ligação com a vizinha famosa.
A estação de Rothenburg-ob- der-Tauber fica fora dos muros que antes delimitavam a cidade medieval e hoje marcam o centro histórico, pontuado por casas coloridas e lendas da Idade Média. Não é possível acessar o centro de ônibus, só a pé ou por meio dos táxis que partem da estação de trem. A caminhada dura cerca de 10 minutos.
Decorada com temas natalinos o ano todo e com passeios noturnos guiados que mais parecem apresentações teatrais a céu aberto, Rothenburg-ob- der-Tauber é tão imperdível quanto a última parada da Rota Romântica, Würzburg. Com boa estrutura, a cidade tem uma estação ferroviária espaçosa, bem maior que a das cidades pequenas da Alemanha, com minimercado, café e restaurante fast food.
De lá, partem ônibus para o centro, que tem um palácio suntuoso chamado Residenz, antiga moradia de bispos. A imponente construção fica à beira do Rio Main, cortado por uma ponte com estátuas que, de um lado, vigiam o castelo da cidade – assentado numa colina salpicada de parreiras – e, de outro, as igrejas com uma série de torres. É uma espécie de Praga (capital da República Checa) em miniatura.
Würzburg está a pouco menos de uma hora e meia – numa viagem de trem-bala – do Aeroporto de Frankfurt. Tive a oportunidade de encerrar a viagem em grande estilo, já que realizei o último trajeto do roteiro de trem na Alemanha no primeiro vagão do ICE e pude ver o condutor trabalhar através do enorme vidro aerodinâmico localizado nas extremidades do comboio.
Minha atenção ficou dividida entre a cabine de comando e a janela lateral, por onde toda a fascinante paisagem da viagem de trem na Alemanha continuava a passar diante dos meus olhos. Mais um momento que me deu a certeza de que conhecer esse país de trem é um grande barato, já que propicia ao passageiro fazer, sem grandes percalços, um roteiro cheio de boas surpresas.
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Trem na Alemanha – German Rail Pass
Para quem pretende circular de trem na Alemanha e visitar mais de três destinos, uma boa pedida é comprar o German Rail Pass, que dá direito a embarques ilimitados no período adquirido, incluindo nos trens rápidos (ICE). O passe de cinco dias custa € 258 na segunda classe e € 285 na primeira. O Germani Rail Pass também dá direito a uma viagem de Bruxelas (Bélgica) para a Alemanha a bordo do ICE, bem como tíquetes entre algumas cidades da Áustria, Itália e República Checa.
Atualização de reportagem publicada originalmente no especial Trens na Europa 3, da revista Viaje Mais, parceira do Rota de Férias.