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A sonora Zagreb e o Natal mais lindo da Europa

  • Créditos/Foto:D. Rostuhar/Divulgação
  • 25/Dezembro/2020
  • Paulo Basso Jr.

Como uma oração, o som de Madonna anima a noite bem ali, do lado da torre na qual um canhão dispara, todos os dias, às 12h, um tiro simbólico e surdo, provocando gritinhos aflitos entre os espectadores.

Enquanto isso, a imagem encantadora de uma menininha salpicada de flocos de neve volta os olhos para uma escada iluminada que parte em direção ao nada, se perdendo entre as folhas amareladas de uma árvore com luzinhas a piscar. É assim, rude e artística, histórica e poética, que Zagreb se revela durante o que já se intitula o Natal mais lindo da Europa.

É tempo do advento na capital da Croácia, eleita entre 2017 e 2019 pelo portal especializado European Best Destinations como o melhor lugar do Velho Continente para passar as festas de fim de ano. Na trilha da austríaca Viena ou da alemã Munique, que há muito aproveitam a época para atrair turistas com mercados de Natal, Zagreb resolveu abrir o saco de presentes e espalhou enfeites, palcos, pistas de patinação e barracas brancas com telhadinhos vermelhos pelas ruas e praças mais populares da cidade.

M. Vrdoljak/Divulgação
Barraca de lembrancinhas em mercado de Natal de Zagreb

De penduricalhos a porta-retratos, de cerveja a vinho quente, de salsichas a bolinhos de chuva cobertos de chocolate, servem-se cores e sabores por todos os lados, com altas doses de organização – e animação. A temperatura é fria e passa fácil para bandas negativas, mas aquecedores elétricos tornam o ambiente acolhedor.

Melhor para os visitantes, que deixam as luvas e gorros de lado por algumas horas enquanto dão vozes aos mais diversos idiomas. Muitas delas, inclusive, abafadas por hinos pop rock dos anos 1980, que ecoam pelas caixas de som. O ritmo, curiosamente, parece estar no ar da capital croata, seja nos mercados de Natal, nas lojas, nos restaurantes, nos cafés, nos saguões de hotéis ou nos rádios de carros, ônibus e bondes. E, dessa maneira, dita os passos dos turistas.

Viagem pelos mercados de Natal

J. Duval/Divulgação
Pista de patinação no gelo no Ice Park, em Zagreb

Voyage, Voyage“, do Desireless, rola solta nas caixas de som enquanto viajantes e habitantes passam de um mercado de Natal a outro, já que vários deles funcionam ao mesmo tempo em Zagreb. O mais fotogênico é o Ice Park, montado em torno da Praça do Rei Tomislav. Repleto de luzes, o local conta com pistas de patinação no gelo e barracas distribuídas diante do Pavilhão de Arte de Zagreb, um imponente edifício em estilo art nouveau erguido em 1898 e que passa dezembro iluminado com tons de roxo, azul e amarelo, num efeito visual belíssimo.

A Praça do Rei Tomislav marca o início de uma curiosa área verde em formato de “U”, que abraça o que se nomeia como Cidade Baixa na capital da Croácia. Ali, nos meses mais quentes do ano, é possível visitar um frondoso jardim botânico. Outra atração local é o Teatro Nacional, com fachada neobarroca e filas de espera que duram meses para quem deseja assistir a uma ópera.

Alheio a tudo isso, o burburinho no período do advento se distribui pela região até alcançar a Praça Zrinjevac, marcada por um coreto iluminado e cercado de barraquinhas que vendem, principalmente, artesanato. O que mais se ouve por lá são “oooohhhs”, tamanha a fofice dos objetos à venda. Ah, e pop rock dos anos 1980, é claro.

Paulo Basso Jr.
Mercado de Natal da Praça Zrinjevac, em Zagreb

A menininha e o canhão

A música é “Joe Le Taxi“, de Vanessa Paradis, mas o transporte usado para chegar à Strossmayer Promenade é um singelo funicular, o mais curto da Europa, já que percorre um trajeto de apenas 66 metros. No período do advento, o acesso é gratuito.

Lá em cima, na Cidade Alta, a vista é belíssima, de dia ou de noite. Com o sol raiando, o local costuma ficar cheio ao meio-dia, momento em que o tal canhão emite o som de tiro na medieval Torre Lotrscak. O ritual remete a uma vitória dos croatas sobre os otomanos, que queriam invadir a cidade e teriam sido vencidos exatamente àquela hora. Um badalar de sinos antecede o estrondo e aumenta a expectativa, até que ele vem alto e seco, fazendo muita gente tremer.

Paulo Basso Jr.
Singela decoração de mercado de Natal, com a Catedral de Zagreb ao fundo

Bem mais estimulante, entretanto, é conferir a transformação que ocorre nos arredores durante as festas de fim de ano. Marcas de bebidas famosas decoram as ruas da região e dão vida ao mercado de Natal mais divertido de Zagreb. Até onde os olhos alcançam há árvores iluminadas em azul, branco e vermelho (as cores da bandeira da Croácia), bem como globos de neve enormes, palcos e barraquinhas com comidas e produtos típicos.

Isso sem contar cenas delicadas e preparada com cuidado, como a da menininha citada no início deste texto. Afinal, o Natal da capital croata é assim mesmo, cênico e inusitado. Seja em silêncio ou quando a música toca.

Paulo Basso Jr.
A menininha e a escada no poético mercado de Natal de Zagreb

Luz e romance

Do som que vem das barraquinhas, Men Without Hats lembra com “Safety Dance” que a noite é jovem em Zagreb e, entre um vinho quente e outro, é possível trafegar pelos mercados de Natal conhecendo outros ícones da cidade, sempre com segurança. A partir da Strossmayer Promenade, por exemplo, é fácil chegar à Praça de São Marcos, onde uma igreja com telhado azul, branco e vermelho é alvo constante de fotografias.

O local também abriga um dos antigos portões da cidade, que foi murada como tantas outras da Europa na Idade Média. Pertinho dele está o excêntrico Museu das Relação Terminadas, onde se contam histórias de amores que tinham tudo para dar certo, mas não conseguiram ser felizes para sempre.

Paulo Basso Jr.
A igreja de São Marcos e seu famoso telhado colorido, em Zagreb

Há um toque teimoso de romantismo, entretanto, que perdura há anos nesse trecho da Cidade Alta. Todas as noites, dois funcionários públicos são encarregados de acender, um a um, os 200 lampiões que iluminam a região. O ritual se dá por puro charme, já que o célebre Nikola Tesla, cujos estudos serviram de base para a criação de modernos sistemas de potência elétrica em corrente alternada, nasceu em território que hoje pertence justamente à Croácia.

Papai Noel de bondinho

A contagem regressiva de “Beat Dis“, do Bomb The Bass, vem lá de baixo e soa perfeita ao final da escada que leva ao Dolac, o colorido mercado de rua de Zagreb. Dá para comprar um pouco de tudo ali, de frutas ao delicioso azeite croata, de carnes a queijos, de gorros a luvas e de vinhos (o branco é muito apreciado) a rakijas, a poderosa aguardente dos Bálcãs destilada de ameixa ou uva.

Paulo Basso Jr.
Dolac, o famoso e colorido mercado de rua de Zagreb

Melhor ainda é subir ao Zagreb 360°, observatório que se ergue a 182 metros, e observar em detalhes o movimento frenético desse pedaço da cidade. A vista alcança o Kaptol, morro onde fica a Catedral de Zagreb, curiosamente envolvida por um muro renascentista que a protegeu da invasão otomana no início do século 16, e a Praça Ban Jelaci, o coração nervoso da capital croata.

Não importa a hora, há sempre muita gente nessa área. E, como não poderia deixar de ser, um popular mercado de Natal dá as caras por ali durante o período do advento. A fórmula é a mesma que toma conta das ruas ao redor (boa parte delas voltada apenas para pedestres e onde se concentram as principais lojas da cidade, de grifes famosas ou não): barracas com comidinhas, bebidinhas, lembrancinhas e mais lembrancinhas.

B. Mihoci/Divulgação
A imponente Catedral de Zagreb iluminada durante o período do advento

Ao longo do dia (e da noite), bandas e corais se apresentam em um palco montado na Ban Jelaci. A música só é abafada pelo ruído dos bondes azuis que recortam a praça rumo aos bairros mais afastados e não deixam Zagreb parar. Nem mesmo no Natal, quando, vez por outra, é possível avisar alguns motoristas vestidos de Papai Noel levando os cidadãos e visitantes para cima e para baixo.

Num passado não muito distante…

O assobio de “Wind of Change“, do Scorpions, ecoa no palco e faz lembrar que nem só de bons velhinhos a Croácia tem histórias para contar. No centro da Praça Ban Jelaci, um cartaz com a foto de Slobodan Praljak reflete as luzes das centenas de velas que o cercam. Ex-general e líder croata, Praljak se envenenou no fim de novembro de 2017 em pleno Tribunal de Haia, logo após a sentença que confirmou sua pena de 20 anos de reclusão por crimes cometidos contra a humanidade.

Há quem goste dele no país, mas muitos lembram apenas com horror dos anos 1990, quando a Guerra da Bósnia (1992-1995) assolou os Bálcãs. A disputa teve início com o voto pela independência da Bósnia em relação à então Iugoslávia. Os sérvios, que não concordavam com a posição, deram início a uma sangrenta batalha.

Paulo Basso Jr.
Vista da Praça Ban Jelaci desde o Zagreb 360º, mirante da capital croata

De início, croatas e mulçumanos bósnios atuaram como aliados contra a Sérvia, mas depois brigaram entre si. O resultado foi uma limpeza étnica bárbara, que assolou a região e desintegrou as seis repúblicas que até então constituíam a Iugoslávia: Bósnia-Herzegovina, Croácia, Macedônia, Montenegro, Eslovênia e Sérvia – anos depois surgiria Kosovo, que declarou sua independência unilateral da Sérvia.

Felizmente, a maior parte desses territórios vive hoje em absoluta paz. Quase todas as cidades foram restauradas na Croácia e é bastante tranquilo e seguro viajar pelo país. Do passado ficaram apenas as memórias, inclusive as mais antigas, dos tempos do regime comunista, que ao menos da década de 1980, após a morte do severo estadista Josip Broz Tito, foi brando na então Iugoslávia em relação a liberdades pessoais. Principalmente ao permitir que os cidadãos viajassem para onde quisessem e ouvissem pop rock vindo do Ocidente, ao contrário do que ocorria em alguns países vizinhos.

Café e pubs

David Bowie, com “Modern Love“, toma conta do som ambiente enquanto o guia Damjan Beusan, que fala um excelente português brasileiro, explica os pormenores da história croata, ressaltando inclusive os tempos em que o território pertencia ao império Austro-Húngaro. O cenário do bate-papo é o Kino Europa, um dos poucos cafés no centro de Zagreb onde não é permitido fumar. A decoração não esconde que ali funcionava um antigo cinema, ao mesmo tempo em que poltronas confortáveis convidam quem vem de fora a se proteger do frio com um café ou chocolate quente.

CroChef/Divulgação
A forte culinária croata inclui muitos pães e queijos

Em dezembro, as temperaturas chegam a marcar até -6º na capital da Croácia em pleno meio-dia. Se é que dá para considerar 12h como metade do dia, já que lá pelas 16h começa a escurecer. Essa é a hora que a diversão aumenta não só aos mercados de Natal, mas também aos diversos pubs e restaurantes da região.

Há uma porção deles na rua Ulica Ivana Tkalčića, como o Agava, que serve pratos típicos, como sopas, pães, queijos, presunto cru, massa com trufas, truta, cupim e tortas de maçã; e a Pivnica Mali Medo, perfeita para quem gosta de cerveja artesanal. Do outro lado da Praça Ban Jelaci também há boas opções para comer e beber, a exemplo do moderninho Vinodol, com ótima carta de vinhos – e som ambiente melhor ainda.

Paulo Basso Jr.
Pivnica Mali Medo, bom lugar para tomar cerveja em Zagreb

Entre lagos e rios

Ao ritmo de “Sweet Dreams (Are Made Of This)“, do Eurythmics, o alto-falante avisa que é hora de seguir em frente e respirar novos ares. Afinal, a capital croata e seus mercados de Natal são irresistíveis, mas há muito que fazer nos arredores da cidade.

Entre os programas indispensáveis estão uma vista a Liubliana, a lindinha capital da Eslovênia, que está a apenas 143 km de Zagrev, e ao Parque Nacional dos Lagos de Plitvice, que concorreu ao posto de maravilha natural do mundo e, embora não tenha sido eleito, é espetacular.

Vista do Parque Nacional dos Lagos de Plitvice, na Croácia, em dia ensolarado

No fim do outono e no inverno é difícil caminhar por lá, pois as passarelas ficam escorregadias por causa do gelo. Mesmo assim, ninguém desanima em se aproximar do conjunto de quedas d’água, que faz curvas sinuosas e enche os olhos do visitante. As águas verde-esmeralda cintilam em meio aos cânions a perder de vista. Os Lagos de Plitvice ficam a cerca de 1h30 de carro de Zagreb, e o acesso a parque custa 55 kunas (cerca de R$ 28).

No retorno a Zagreb, vale a pena parar em Rastoke, um vilarejo histórico na província de Slunj. A paisagem é de contos de fadas, com cerca de 20 casinhas distribuídas entre as quedas do Rio Korana. O local foi destruído durante a recente guerra da independência, mas foi restaurado pelos próprios moradores e voltou a encantar da mesma forma que o fazia antes das bombas. Não há batalhas, felizmente, capaz de tirar o charme desse pedacinho da Croácia.

O pitoresco vilarejo de Rastoke, na Croácia

O país também é famoso pelas suas mais de mil ilhas espalhadas pelo Mar Adriático e pela região costeira que vai de Split a Dubrovnik, o pedaço mais turístico dos Bálcãs. Só é triste descobrir em plena segunda-feira, ouvindo “Blue Monday“, do New Order, que não existem trens rápidos da capital croata para lá, o que torna um bate-volta inviável, já que o trecho fica a mais de 500 km de distância. Mas isso em nada, pode acreditar, deixa menos brilhante visitar Zagreb, sobretudo na época do Natal, quando ela se torna para muitos – e com razão – a cidade mais linda e sonora da Europa.

Confira mais fotos dos mercados de Natal de Zagreb em @rotadeferias


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